IRANY AZEVEDO
( Brasil – DISTRITO FEDERAL )
AZEVEDO, Irany. Vitrais. Capa: Ovanir Geraldo Vianna. Ilustração a cores Regina Cumán. Sem local (Brasília?) . Sem editora, 1989.
S. p. Ex. doado pelo livreiro BRITO, Brasília, DF.
DE SUJEITO A OBJETO
Passou de sujeito a objeto,
tanta era a fome e a falta de teto,
que o presenteava o dia-a-dia.
Sabia, de cor, involuntários pecados da maioria...
Queria viver, algum coisa poder decidir,
sem ter que calar, ou dizer e fugir...
Queria cantar liberdade com as mãos sem algemas,
suspirar de verdade, sem reprisar velhos temas...
Mas nada deu certo,
ou o certo não deu,
foi ser algemado-liberto,
passar de gigante a pigmeu...
Hoje, como se fosse um número não pensante,
aplaude quando chora e sorri com quietude,
com medo de ser julgado mais um intolerante...
Vegeta nesta vida de tão pouca plenitude...
PROCELAS
Procelas pontificam a vida
e muitas janelas se nos fecham,
apesar do calor do dia...
A nossa crença fica restrita
a alguns amigos que inda nos restam,
e, de cuja fé, a nossa alma se alumia.
E, quantas vezes me bastaria uma janela pequenina,
para poder respirar!
Mas quem está ao nosso lado não desanima
em nos querer sufocar,
e até, nem mais sorri com medo de se dar...
Os poucos amigos mais escasseiam,
vão se diluindo, se dispersam na multidão...
E os meus dedos sozinhos, passeiam
trêmulos, frios, sem o abrigo de outra mão...
MEU MUNDO PARTICULAR
Eu queria um mundo só para nós dois,
tantos encantos mais descobri e que são relegados.
Não fazia mal se fosse por momentos contados,
e no resto da vida, viesse a lamentar o depois...
Mas, naqueles instantes só nossos,
com o mundo inteirinho ao meu alcance,
eu deixaria o sol e a lua viverem juntos, ao mesmo
tempo,
os peixes nadando e os passarinhos nos ninhos em
doces romances,
simultaneamente sob a luz do sol e a do luar.
E, enquanto eu me iluminasse com a luz solar,
a lua projetaria sobre a terra a imagem tua,
tão serena, tão meiga, tão envolvente,
que eu gostaria, mesmo sendo simples gente,
de poder abrir os braços e de abraçar a imagem lunar,
mesmo que eu viesse a morrer,
pois tu estarias neles contida, na redoma da lua...
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AZEVEDO, Irany. Poemas do Pai. (Antologia do amor filial). Apresentação do Professor Alvisto Skeef Sobrinho. Brasília: Centro de Ensino Unificado de Brasília – CEUB. Coordenação de Assuntos Comunitários, Serviço Gráficos do CEUB, 1981. 30 p.
EX. doado pelo livreiro BRITO, Brasília.
AH MEU PAI!
AH MEU PAII, SE TU SOUBESSES,
QUE A MINHA DOR NÃO TEM CANTO, NÃO TEM PRECE.
SEGUE COMIGO, NÃO ME ESQUECE
E NEM POR UM SÓ MOMENTO.
SEU AMOR SE DESGRUDA, MESMO SE EU QUIZESSE,
TU SUSSURRARIAS BEM BAIXINHO,
UM MADRIGAL SUAVAE DE PASSARINHO,
NA ESPERANÇA DE QUE ELA SE AFASTASSE DE MIM,
PELO MENOS, SÓ UM POUQUINHO.
E ESTA DOR QUE ME VEM NA ALMA,
MACHUCA INSISTENTE, NÃO ME DÁ CALMA,
SUCUMBIRIA MESMO POR ALGUNS INSTANTES,
COMO O TEU CANTAR DE AMOR E PAZ AOS SEMELHANTES,
NERVOSO COMO SEMPRE, MAS PRENHE DA BONDADE DOS
SANTOS MARCANTES.
Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 1973.
O MEU SANTO PRECEPTOR
PAI,
POR TUA MÃO EU VIA A VIDA,
E NÃO ME ARREPENDI.
EM TODAS AS VEZES QUE ME EXCEDI,
APRENDI A LIÇÃO:
TU ME ABRISTE AS PORTAS DO SIM
E DEIXASTE QUE EU DESCOBRISSE, AS PORTAS DO NÃO.
E QUANDO NOS ARROUBOS DA JUVENTUDE,
EM QUE SEMPRE SE CRÊ SER MUITO GENTE,
TU FOSTE, EXTREMAMENTE, PACIENTE,
PARA BURILAR MINHAS POSSÍVEIS VIRTUDES.
E EU CRESCI NO TEMPO E TU CRESCESTE, AINDA MAIS, AOS
MEUS OLHOS
A TUA INGENUIDADE PURA, ERA COMOVENTE,
O TEU CORAÇÃO, ERA DE CRIANÇA
E PARA TI, NEM A CHUVA REGAVA TUAS ROSAS COM O TEU
CARINHO.
VEZES VÁRIAS, ABRISTE O GUARDA-CHUVA E AS REGASTE,
DE MANSINHO—
MAS PAI, EMBORA JÁ CRESCIDO, ME SINTO MAIS CARENTE
E PARA MINHA DOR MAIOR, TU ESTÁS AUSENTE
E EU, DESTITUÍDO DE ESPERANÇA.
AH, MEU PAI, TU QUE ME ENSINASTE, ATÉ, COMO SOFRER
ME ESPRESTA A TUA FÉ, PARA EU ME LEMBRAR QUE SOU
GENTE ...
Brasília, 20 de maio de 1979.
AZEVEDO, Irany. Este poeta menor. Capa e ilustrações de
Ivanir Geraldo Viana. Apresentação do Professor Herberto Sales. [Sem nome do editor] Distribuição: Livraria José Olympio Editora, 1978??? 217 p. Ex. doado pelo livreiro Brito, Brasília, DF
ENCONTRO DAS MÃOS
O riso fácil, as lágrimas bem fluentes,
as palavras ágeis, os comentários quentes,
enquanto um peito nu e frio fica sem proteção,
o coração palpitando, sem a companhia da canção!
No descompasso do gerador,
tantos sonhos vividos, tanto amor
que se dá por tão pouco, e fica despercebido,
já que o pouco é difícil de ser entendido.
Nos outros corações, palpita um ritmo agitado,
a alegria como fundo, o balanço do mar encapelado;
no meu, a batida é do vazio da solidão,
quase de mansinho, na espera do encontro de outra
[mão na minha
mão.
Brasília, em 19 de junho de 1976
MUNDO DE MEDOS PROFUNDOS
Um mundo de medos profundos,
com abismos, sombras, mares bem fundos;
a luz do vagalume parece um clarão
que me guia, na incerteza de uma vida só de não!
No labirinto de trevas, do receio ao pavor,
eu sou alguém diminuto, amigo da dor,
carente de ar, de fé, vidrado no amor
que quase me desconhece, vivendo só desamor!
No túnel fantástico de um mundo apagado,
quem sabe eu encontre algo irmanado
com a doce felicidade, sem medo da alegria,
podendo rir com vontade, sem receio da luz do dia!
Brasília, 27 de janeiro de 1976
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Página ampliada e republicada em junho de 2023
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Página publicada em maio de 2023
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